segunda-feira, 13 de junho de 2011

Pau de dar em doido. (Crônica 1)


Só deu pra ver a bunda do ônibus. Era suficiente. Carlota quando o viu, arregalou os olhos e saiu desembestada. O uniforme do Nossa Senhora de Lourdes não deixava lugar a dúvidas. Era colegial. E como tal, o sutiã branco de renda dava mais volume e chamava mais atenção do que aquilo que em teoria deveria esconder. O aparelho nos dentes, o cabelo pendurado num coque malabarístico e o correr desajeitado denunciavam a idade da moça. Moça de verdade naquela época.

Pelas linhas vermelhas e cinzas da traseira do ônibus branco e empoeirado, era fácil reconhecer o Vasco da Gama – Boa Viagem que havia saido da rua canhota daquela encruzilhada 200 metros mais adiante do colégio. Só ele passava por ali.

Entre onde estava Carlota e a parada do ônibus, ela teria ainda uns bons 300 metros para percorrer. Era uma calçada comum embora semeada de postes, tendo por um lado a pista e do outro as grades da Tamarineira, um hospital psiquiátrico. Aquelas grades separavam os doidos que estavam dentro dos doidos que estavam fora. E eles ficavam por ali mesmo na hora do recreio deles. Era tudo manso, não tinha bronca nem medo. Se estavam por ali perambulando é porque algum doutor tinha permitido. Mas isso era a última coisa que passava na cabeça de Carlota. Ela estava acostumada com os doidos que vinham pedir cigarro na parada de ônibus igualmente encostada na grade do manicômio. Depois de um tempinho de nada, a gente se acostuma e nem liga mais pra eles. Dá uma de doido.

Pois bem, no meio da carrera, Carlota ainda teve tempo para besteiras femeninas e lembrou-se de botar os livros na frente do busto para evitar olhares lascivos. O coque começava a se desfazer, dando-lhe um ar de moleca. Lá vinha ela. Desengonçada como as virgens, cômica como um slowmotion e desesperada como fugindo do inferno. E Recife era um inferno. O calor daquele meio-dia era igual ao calor de todo meio-dia em Recife. Calor pra caralho. Desses de encher o suvaco de lágrimas em apenas 5 minutos.

Eu já estava na parada esperando meu Casa Amarela - Padre Lemos de sempre e por ajudar a pobre moça gostosinha, estendi a mão. Com certeza esperava um sorriso agradecido em um lapso de flerte. Se fosse assim, ela ia acabar nessa mesma mão nada mais chegar em casa. Porém não mudemos de assunto.

O motorista parou uns metros mais na frente. Eu ainda fingi a intenção de subir no ônibus para que a desconhecida Carlota ganhasse tempo. Ela acelerou a corrida. Estava quase lá. Se o “tio” fosse mais gente boa tinha esperado. Mas não.

Ele deu uma olhada no retrovisor retângular, viu que eu não ia subir mesmo, olhou o sinal se abrindo e mandou tudo pra merda. Carlotinha que se foda. E não é que por me dar uma resposta, ele me olhou pelo espelho, deu umas voltinhas com o dedo indicador e encerrou o ato de condutor de orquestra/ônibus colocando o polegar na horizontal e apontando pra trás. Sim, eu já sabia que viria outro, é claro. Por isso que as empresas têm frotas. Mas pobre Carlota, né. Passaria 45 minutos esperando o próximo, fácil,fácil. Antes que eu terminasse o pensamento, o motorista tinha dado no pé e o pé no acelerador. Carlota chegou ainda a respirar a fumaça do cano de escape.

Batalha perdida, ela começou a se recompor ligeiramente. Pôs o cabelo atrás da orelha e me olhou com cara chateada, mas não por minha culpa, isso eu sabia. Disse com a voz da vergonha, valeu.

Ela ajeitou-se um pouco mais. Desenrugou a camisa, alineou os cadernos, deu uma passada na parte de trás do jeans pra saber se tudo estava no lugar, que não lhe havia caido nada no caminho feito às pressas. Vira e mexe, eu a olhava e tirava o olhar para não dar pinta de voyeur.

Ela pôs os livros no meio das pernas e apertou as coxas contra eles, tirou o pauzinho da cabeça e erguendo os braços voltou a ser mulher de coque.

O doido que tinha visto toda a odisséia de Carlota se aproximou de mim.
Veio devagarinho.
Colocou uma mão na grade, foi chegando mais perto, mais perto e parou. Eu que já tinha notado sua presença fiquei esperando. Ele mexendo a sobrancelha, chamou minha atenção balançando também a cabeça, apontando para Carlota. Então olhou pra mim e piscou, querendo contar um segredo de amigos e confidentes:

- Peitinho massa, ein.

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