terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Cada morto no seu galho.




Ninguém iria suspeitar dele. Jamais passaria pela cabeça nem do melhor detetive que aquele ser estapafúrdio seria responsável pelo desassossego que tomou conta do bairro nos últimos meses. Também pudera. Culpar um botânico por crimes tão hediondos seria quase uma irresponsabilidade.
Com a coluna saindo pelas costas, como gostava de dizer Dona Iraci, dona da casa cheia de trepadeiras que ficava na esquina, o meliante passava horas e horas no jardim da praça. Inofensivo, conversando com as plantas. Todos da vizinhança se apiedavam do pobre coitado. Por outro lado, não tem quem não tivesse uma estória engraçada de algum vizinho recém-chegado que se assustara ao ver de repente aquela corcundinha por trás dos arbustos.
Hoje ninguém acha mais graça. Começando por Seu Donato, um vovô que caiu na putaria somente depois que sua amada Carminha fora comer capim pela raiz. O velho desandou, e desandou bonito, mas nem por um momento imaginou que por conta do corcundinha, Carminha tivesse que pôr mesa para dois.
Num domingo pela manhã, voltando da cachaça absurda que vinha tomando desde sexta, Seu Donato veio se arrastando pelo meio-fio. Parou no portão de casa, levantou um pouco as calças, coçou a orelha e com os olhos fechados e a voz esganiçada dizia amorosamente para a garrafa de cana... tive sim... outro grande amor antes do teu, tive sim... e nisso caia uma lágrima de saudade de Carminha.
Observando a cena, tão patética e tão poética, estava Mazela, a famosa e amarelenta vira-lata, querida por todos do bairro. Segundo Donato, e ele jurava pela alma da falecida, nesse dia Mazela não latiu, falou. A cachorra veio cruzando a rua, olhando fixamente o viúvo, e quando este se agachou pra alisar seu focinho, levou uma lambida na cara. Seu Donato disse o quehhh é ishhso, Maêzela? E com a mão na cara ainda tentando se limpar, escutou de volta com um sotaque bem arrastado: ô veio corno! 

As muitas e muitas bebedeiras de Seu Donato não são importantes para a elucidação do mistério, mas sem dúvida, sua morte sim. E o resumo dela é bem simples. Um dia, tomando banho, Seu Donato notou algo estranho. Sentiu um caroço debaixo do braço. Algo diferente. Não era um caroço qualquer. Era um caroço de feijão. Aquilo passou do ponto, apodreceu, e ele continuou achando que era uma sovaqueira. Passou dois dias largando Leite de Rosas nas axilas e ainda assim morreu fedendo.

Feijão mulatinho é foda, acaba com qualquer um.

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