quinta-feira, 29 de julho de 2010

As dores da morte de não sei quem.


Começa o dia. Azia. 172 centímetros se levantam da cama sem muita cara de gostar das manhãs. Olha o copo com água colocado no parapeito da janela. Ninguém esteve espiando-o durante a madrugada. O líquido permanece inalterado, impoluto. A árvore coberta de galhos foi recentemente habitada, mas por nenhum humano. Somente uma horda de passarinhos estrangeiros cujo visto havia expirado ao surgir o sol.
Negro, o sujeito sem barriga reza para que seu organismo retome suas funções depois de 8 horas letárgicas, paralisadas, em greve de consciência. Junto ao corpo, a mão, a direita, algo trêmula.
Junto ao corpo, à mão, à direita, algo tremula. Era o celular que em um instante vibra com um só toque e deixa de incomodar.
Era a deixa.

Tsiiiiii. Agora é o copo que recebe a visita de estrangeiros. Um objeto arredondado, branco, que aterrissa com um enorme blum, deixa as águas em chamas. Desprendem-se pequenas cápsulas, borbulhas protetoras pilotadas por minúsculos seres NahCo3. Aquela invasão terminaria com sucesso, ainda que a azia resistisse bravamente até o momento que o ponteiro do relógio andara seu primeiro centímetro depois das 12, recomeçando seu trabalho de correr atrás do rabo. Era o noticiário. E a notícia da abertura era que se havia terminado o conflito entre a acidez do estômago e o bicarbonato de sódio. Obviamente, uma luta por reformas de base.

A boca desincronizada da apresentadora se antecipava as notícias em primeira mão. Entre a crise econômica e os gols da rodada, uma manchete curta, para encher a pauta: morte misteriosa.

Era a milésima vez que lia, falava ou escutava esse pleonasmo. Pensou sobre o que sabemos sobre a morte. Perguntou-se: A alma seria basicamente uma pilha para os brinquedinhos de Deus?

Não sei se a coceira que a noticia provocou no ouvido do nosso amigo ou o conseqüente pensamento sobre sua relação com Deus fez com que ele - tão acostumado às incógnitas - se transformasse em uma.

Ninguém conhecia seu rosto, sua voz, sua conta bancária. Não existiam seus. Ele era a porra da dúvida que não se desfazia no ar. O homem que reduzia cada morte a um único resquício: azia.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Está difícil (para se divertir é só complicar).



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O ator estava tão concentrado em seu próprio primeiro plano mental que conseguira polutar suas próprias calças de cor cinza e tecido comum.

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O ator estava tão concentrado em seu próprio primeiro plano mental, que mesmo sem o apoio das mãos, alcançara o gozo; conseguira polutar suas próprias calças de cor cinza e tecido comum.

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O ator estava tão concentrado em seu próprio primeiro plano mental, que mesmo sem o apoio das mãos - o que me faz pensar, portanto, dever-se somente às suas lembranças mais saborosas, aos anos de estudo teatral, aos cheiros de suas descobertas adolescentes, a todo o frenesi desloucado que conhecia de bastidores -, alcançara o gozo; conseguira polutar suas próprias calças de cor cinza e tecido comum, ainda que sem saber, com aquela humilhação brilhante chegara ao auge de sua carreira impoluta.

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O ator - que interpretava um punheteiro -, estava tão concentrado em seu próprio primeiro plano mental, que mesmo – sob os olhos da produção do filme e todos seus ajudantes – sem o apoio das mãos – o que justificava o silêncio dramático e fascinado da equipe já comentada –, o que me faz pensar, portanto, dever-se somente às suas lembranças mais saborosas, aos anos de estudo teatral – quando ainda jovem desejava possuir, literalmente, no sentido literatura da palavra, Athenas, Helena, e quem sabe, Afrodite – , aos cheiros de suas descobertas adolescentes, a todo o frenesi desloucado que conhecia de bastidores – nos sentidos que entende o Houaiss - e que em sua memória, talvez em um ato psicológico de associação, - pois da coxia escutava o rugir da platéia faminta de cultura entrando em seus ouvidos ligeiramente empoeirados de maquiagem - alcançara – assim, num passado mais que perfeito –o gozo – esta vez no sentido último do grande livro, por incrível que pareça, ainda que me pareça romântico por parte do Aurélio –; conseguira polutar – minha humilde contribuição ao idioma - suas próprias calças de cor cinza e tecido comum, ainda que sem saber, com aquela humilhação brilhante chegara ao auge de sua carreira impoluta.

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O ator - que interpretava um punheteiro -, estava tão concentrado em seu próprio primeiro plano mental, que mesmo – sob os olhos da produção do filme e todos seus ajudantes – sem o apoio das mãos – o que justificava o silêncio dramático e fascinado da equipe já comentada –, o que me faz pensar, portanto, dever-se somente às suas lembranças mais saborosas, aos anos de estudo teatral – quando ainda jovem desejava possuir, literalmente, no sentido literatura da palavra, Athenas, Helena, e quem sabe, Afrodite – , aos cheiros de suas descobertas adolescentes, a todo o frenesi desloucado que conhecia de bastidores – nos sentidos que entende o Houaiss - e que em sua memória, talvez em um ato psicológico de associação, - pois da coxia escutava o rugir da platéia faminta de cultura entrando em seus ouvidos ligeiramente empoeirados de maquiagem - alcançara – assim, em um passado mais que perfeito –o gozo – esta vez no sentido último do grande livro, por incrível que pareça, ainda que me pareça romântico por parte do Aurélio –; conseguira polutar – minha humilde contribuição ao idioma - suas próprias calças de cor cinza e tecido comum, ainda que sem saber, com aquela humilhação brilhante chegara ao auge de sua carreira impoluta.

Ali, naquela cena, desfrutei – como todos do platô e da audiência que depois viu o fime - do seu ápice intelectual, do seu clímax profissional – aquele que o fizera maior que todos os demais atores que um dia foram iluminados em um palco e fora dele -, da sua imensa paixão pela arte da mentira benevolente. E nem sequer foi o caso de presenciar o encontro da satiríase com a prostituição. O ator sentiu aquilo de verdade. Mas apesar do espectador só intuir o que nós ali presente vimos, ambos terminamos elevados, em estado de admiração do ser humano. Aquele era um homem que gozava do que fazia.




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Eu tenho os dicionários Houaiss e Aurélio, versões Mini, pra facilitar.
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Bastidor/es
No Houaiss se define como coxia, como intimidade e como par de aros que esticam o pano para bordar.
No Aurélio, só aparece o sentido de caixa de madeira onde se segura o tecido para bordar.
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Ah, e nenhum dos dois tem suruba. Ou seria surruba? Alguém tem um dicionário pra me emprestar? Brincadeira.
Abri um minidicionário “Melhoramentos” que ainda estava novinho, com plástico e tudo, para encontrar a desavergonhada – ou melhor, a palavra que os outros dicionários tinham vergonha – orgia sexual com mais de duas pessoas)
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quarta-feira, 14 de julho de 2010

À pedidos.



Em 2002 quando por aqui cheguei, coisas do primeiro mundo me assustaram.

Não o frio. Não o idioma. Não os biotipos.

As ruas limpas, sim. Mas o que mais sim, foi a ausência de mendigos.

Vá lá, moro numa cidade pequena. Suponho uns 60 mil habitantes.
Perto de Recife isso é fichinha. E talvez fosse até normal que morando na Europa, numa cidade pequena além do mais, isso fosse a regra.
Mas pra mim, era estranho.
Como assim não tem ninguém jogado no chão para que nossas retinas possam evitar?
Sei lá. Isso não pode ser normal. Mas podia.

E muita coisa mudou em 8 anos.

Eu mudei pra caralho. Eu nem me reconheço.
Me olho no espelho e me apresento quase sempre ao mesmo estranho todos os dias.
A cabeça, o cabelo, a barriga.
O jeito, a fala, a cabeça outra vez.
Sou eu mas não sou.
Normal, não é mesmo?
Mas será que eu sempre fui tão pessimista?

Saio pra dar uma volta.
O banco, que é banco em qualquer lugar do mundo, decora com esmero meu inferno astral. Mas pra lá me dirijo. Eu que sou católico mas não sou, como diria Kamila, ou melhor, com minhas palavras, sou o pior católico do mundo, tenho a indigesta idéia de que o inferno acaba sendo o destino de todo mundo. Por que não? Quem vai me dizer o contrário? Basta que deixe de existir céu. E meus amigos, "nos sinceremos", quem nunca cometeu um pecado imperdoável?
Fiquem tranquilos. Se acaso voces dêem por bater no inferno no final da vida ou no começo da morte, tenham a certeza de que um rosto conhecido hão de encontrar.

Na volta da minha volta, minha cidade, que há tempos eu não visitava, introduziu novas personagens em sua trama histórica de cidade milenar.
Em 15 minutos, 4 mendigos.
A mão extendida para a caridade.
E não é querendo ser ruim, não, como eu disse anteriormente, pro inferno eu já vou então não preciso de nenhum exame final com o tinhoso, mas não lhes soltei nem um céntimo. E fiz questão.
Suas mãos ao ar, suas plaquinhas suplicando atenção, me davam vergonha de suas juventudes.
Logo eu, mais um vagabundo, porém sem placa, porém com currículo, que não é o mesmo, mas quase é.
Onde se escondiam esses pedintes 8 anos atrás?
Por trás dos meus olhos?

Não vou ficar abestalhado por ver mendigos na rua, afinal, sou brasileiro.
Mas o que me espanta é que antes isso não existia, não nessa dimensão, nessa quantidade que não cabe no dedo indicador. Exagerando, eram fatos isoladíssimos e em geral praticados por imigrantes velhos ou doentes, ambos na antesala do inferno.
Não digo que eles escolheram a situação em que se encontravam, porém, os que vi hoje quase me permitem esse atrevimento. Imagino que nenhum deles sobrepassassem os 35 anos, e isso pesando a "cara de rua" que eles levavam no rosto.
Espero que no Brasil algum dia vejamos esse processo ao revés. Assim talvez alguém entenda por contraste o gosto ruim que senti essa manhã.

Porém me fica a pergunta:
Quem é pior hoje em dia do que há 8 anos, eu ou a cidade?

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