sexta-feira, 1 de abril de 2011

Quando ouvires um lamento, crescer desolador na voz do vento: sou eu em solidão pensando em ti, chorando todo o tempo que perdi.


Primeiro eu achei que fossem meus óculos. Estavam capengando, caindo para um lado, para ser exato o lado direito. Meu lado direito. Depois fui percebendo. Não eram os óculos. Era eu mesmo. Minha cabeça estava se inclinando e eu não percebi. Ao me dar conta me imaginei dez anos no futuro, completamente curvo, corcunda. Mas de momento, era uma inclinação que eu havia percebido pelos óculos.

Mas logo me olhei no espelho e vi que uma orelha era mais baixa que a outra, e meus olhos também, e essa sobrancelha que não sabe o que quer na minha cara. Esse nariz...ih..putz, não tinha percebido quão grandes eram esses buracos. Caralho, que cara feia da porra.
Podiam ter caprichado um pouquinho mais, né, Pai-Mãe-DNA-Deus-Xangô - nessa ordem - não custava nada.

Mas é assim mesmo. Não posso me queixar agora, eu também não ajudei muito. Essas manchas no rosto são minhas. Meu pai bem que avisou, menino, sai do sol. E eu nem aí. Mas ele me falou. E meu irmão, então? Agora você não está nem aí para o cabelo, mas deixa chegar na adolescência. Pois é, vocês estavam certos.

Continuo nem aí, quem quiser vai ter que levar o pacote por esse preço. Não aceitamos isso de penchichar ainda que fique à vontade para devolver o produto. Quem não vai querer um corcundinha cheio de gordura e bom humor? Ah, e careca. Um charme só.

Não tenho mais tempo para pensar nisso. Ainda que não esteja fazendo nada melhor que me olhar no espelho. Será que no futuro a coisa melhora? Desconfio que não. A tendência é piorar sempre e isso já se nota. Mas quem se importa? Se eu tiver dinheiro, se eu tiver trabalho, se eu aprender a dirigir, se comprar minha casa, se escutar boa música, se gostar de trepar, se tudo isso acontecer, acho que eu caso. Algum dia. Mas acho que só uma vez, e digo achando errado. Nem que seja pela herança, nem que seja por ter um defunto que chorar. Nem que eu me mude pro Rio, nem que eu viva em Mangueira, onde os poetas ganham lágrimas de olhos anônimos, somente por ser poeta morto, só por ter escrito um sambinha (que também está na minha lista), só por ser eu mesmo.

E será que eu aguento ser eu mesmo? Vou te contar. A coisa não está fácil. E digo mais, a coisa não está nada fácil. São esses anos passando de um lado para outro, e que vão trombando comigo e deixando meus óculos meio bambo, dançando ante meus olhos tronchos. Ô vidinha para me queixar. Tem gente pior, tem gente na pior. Tenho certeza. Pelo menos aprendi um par de coisas. Gosto de ler, de ver notícia, de ver filme, de sacanagem. Aprendi muita coisa assim, joga para um lado, abre um pouquinho aqui, põe a lingua alí, e de vez em quando sai um poema sem vergonha, desses que a vergonha se escapa por uns momentos, com vergonha do que vai ver. Esse corpinho sem graça, esse corpão gordo, vai se balançando e escorrendo suor para todo lado. Um garotinho de Ipanema.
Sem música, sem a paixão dos anos 50, sem sonhos e anos dourados, apenas esperando que meu dedo toque nesses óculos e ajeite minha visão da vida, a visão de mim mesmo.

Assinado: Vinicius.

Obs. O irmão de Vinicius era mais novo que ele.

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