segunda-feira, 20 de junho de 2011

O homem amargo.



Alberto cheirava mal. Cheirava mal pra cacete. Tinha virado vagabundo fazia pouco tempo. Perdeu o trabalho, a mulher lhe deu um chutão, o de sempre. Esse velho filme que se repete nesse cinema da vida. E ele virou protagonista sem muita explicação. No trabalho já não estava rendendo muito, já nada lhe importava, já tinha perdido o tesão no que fazia. Seguia pelos caminhos da burocracia pura e dura. Assinar aqui, enviar aquele email ali, levar com a barriga. E olha que Alberto nem comia tanto assim, vai ver que por isso não conseguiu levar com a barriga por mais tempo. Chegando em casa, uma vez demitido, foi aquele chororô, aquele desespero. Ângela, sua mulher, era a que chorava. Porque ele continuava impassível, nem aí. O trabalho realmente era uma merda. Ele decidiu que queria mudar de profissão, mudar de vida, etc. Esses papos de quem foi chutado.

Agora, já nao tinha motivo para acordar cedo, nem pegar aquele trânsito matutino, nem escutar as piadinhas dos companheiros de trabalho, nem porra nenhuma mais. Seu celular/despertador havia sido demitido junto com ele. E ele ia aproveitar. Passaria as manhãs dançando sonolento com seus lençóis, esse tipo de coisa que todo mortal decente gostaria de fazer mas nunca teve cunhões. Ou melhor, que preferia o dinheiro para poder comer que os culhões para coçar.

Passado o primeiro mês, a monotonia chegou. Trouxe malas e tudo. Talvez fosse uma segunda-feira quando chegou. Ou uma quarta, sei lá. Os dias foram todos iguais depois que ela chegou. Alberto ligava a televisão e ali ficava. Entrava na internet, tocava uma punheta e dormia. Botava os pés na rua de vez em quando. Pra comprar cigarro com o dinheiro que Ângela lhe deixava. Por sinal, o que anda fazendo Ângela voltando tão tarde do trabalho? Vai ver que anda fuxicando de Alberto para as amigas do trabalho. Falando do muito vagabundo que ele anda. E quem será que a traz de carro quando chove? Ela diz que pega carona porque anda tudo alagado. Claro. Nunca admitiria que conseguiu um amante para dar-lhe tudo que um vagabundo não pode dar. Mas Alberto já não se importava com isso. Nem com a chuva, nem com o carro, nem com a traição. Ou ao menos era o que parecia. Alberto estava puto com ele mesmo. Queria voltar a descobrir o que é que lhe dava tesão na vida. E sabia muito bem que não era Ângela.

Ângela descobriu tudo isso antes dele, quando começou a sair com Federic, um canadense com carro que trabalhava na mesma empresa que ela. No terceiro mês de vagabundagem de Alberto, Ângela não aguentou mais. A pobre anjinha, como Alberto a chamava, recolheu as asas, soltou o rabo preso e foi embora. Saiu de casa. Não houve muita discussão. Uma noite chegou, falou o que tinha que falar e deixou Alberto com suas coisas.

Ela cruzou a porta sem lágrimas nos olhos. Simplesmente deixava um vagabundo, nada mais.
Ele se resignou e decidiu que ia mudar de mulher, de vida, etc. Esses papos de quem foi chutado.

Na manhã seguinte, Alberto abriu a geladeira e não tinha nada mais do que as coisas que Ângela deixara dentro. Um requeijão, uns tomates e um pouco de suco de abacaxi. Ficou ali uns 5 minutos. Olhando, olhando, esperando que aparecesse na sua frente o que ele desejava. Um verdadeiro filósofo de geladeira. Coisa de gordo, né. Pois é, mas Alberto não era, nem seria num futuro próximo estando desempregado como estava. Aquele friozinho da geladeira aberta parece que invadia seu corpo e lhe gelava os sentimentos. Por que as pessoas também não saem da fábrica com data de validade na testa?

Ele fechou a geladeira sem muita força. Sem raiva. Preferiu ficar sem comer. Foi pra sala, sentou no sofá verde e botou as mãos na cabeça. Passou a mão na testa, esfregou os olhos e com os dedos em forma de pinça, cutucou o alto do nariz. Olhou o cinzeiro. Só cinzas. Já não sobravam goias.

Quatro dias depois, Alberto voltou ao sofá. Não escovara os dentes. Nos últimos quatro dias não escovara os dentes. Não saiu de casa, não havia dinheiro para comprar cigarros. Andava irritado. Mas andava irritado dentro de casa. Era tão patético que evitava se olhar no espelho. Só de cueca, ficava calado ou resmungando, como um boneco em trapos indeciso entre o on e o off.

Com a língua esfregava a parte de trás dos dentes, sentindo um certo lodo se apoderando da boca. Estava sujo. A cueca suja. A mente suja. No sovaco linhas pretas desenhavam seu desdém, sua imundice. Lembrou-se de quando tinha trabalho e passava pelos pedintes na rua. Agora se identificava com eles, sentia o mesmo ar podre que eles respiravam e que pela força do abandono descobriu que vinha deles mesmos. Esse cheiro de morte em vida, de nenhum banho, esse suor fedorento que de tanto escorrer entre suas pernas, se encrustou. Para disfarçar (para quem?) o sovaco asqueroso, colocava desodorante por cima e só fazia piorar as coisas. O cheiro químico se misturava com o mau cheiro natural e o resultado era o que se esperava: desesperador, repelente. Deixou de se limpar até quando gozava. Guardava dentro da cueca amarelada e esperava que a cola não grudasse muito. Já passava pela sua cabeça, que agora coçava mais que nunca, repetir o processo quando cagasse. Alberto era um ser imundo. Riu sozinho quando pensou que patentearia a palavra antes de Steve Jobs.

Nisso o celular tocou. O despertador voltou a ter emprego. Era Carlos:

- Hoje, às 4.

Alberto se levantou. Aquela ligação caiu do céu. Finalmente entrou no banheiro, tirou a cueca e tirou na roupa suja. Girou a maçaneta do chuveiro. Aquela água caiu do céu.

Seria novamente um homem. Limpo. Iria mudar de vida (falou baixinho), mudar de vida e etc.

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